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Os meninos garçons

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Os meninos garçons

No ano de 1991, na quinta série B, turma da tarde do Colégio Ary Barroso conheci o Lincoln. Era um menino que apesar da pouca idade gostava muito de James Brown. Com as bochechas bem rosadas e o rosto bem alegre, ele fazia o penteado parecido com o do rei do soul. Volta e meia explicava que se chamava Lincoln por causa do Abraham Lincoln, presidente estadunidense que participou da emancipação dos afro-americanos.

No recreio, quando saíamos da sala de aula, encontrávamos o primo dele um pouco mais velho, o Malcom. Ficávamos os três parados de costas para um muro de pedra. O Malcolm andava sempre muito bem alinhado. Camiseta dentro da calça, cabelo puxado para trás com gel. Malcolm era praticante de kung fu, fã do Bruce Lee e já tinha uma mobilete, fruto de anos trabalhando como garçom. Naquele período ele indicou o Lincoln para um trabalho no restaurante.

O Lincoln comprou um walkman já com o primeiro salário e o levava para o recreio todo dia. Todo dia eu aprendia sobre artes marciais, hip hop e soul. O Lincoln sempre dizia quando tirava uma fita do bolso: “Aqui tem coisa boa!”. 

Num dia, saímos para o recreio e o Malcolm nos esperava no mesmo lugar de costas para o muro com um outro menino da sexta série. Eu já tinha visto ele, mas desta vez ele estava arrumadinho como o Lincoln e o Malcolm. Esse menino se chamava Anderson. Ele tinha os olhos bem esverdeados e um bigodinho proeminente. O Malcolm o recomendou para um trabalho no restaurante. O Lincoln me explicou que o Anderson havia perdido o pai e ele queria trabalhar para ajudar a mãe e os irmãos.

Sempre nos encontrávamos no recreio, mas nunca na saída. Os meninos garçons não ficavam para a última aula que acabava as cinco e quarenta e cinco. Eles saíam uma aula antes para começar a trabalhar as seis.

Para que não repetissem de ano os professores e a diretora Sílvia fizeram um ajuste por baixo dos panos. Os meninos assistiam as últimas aulas com as turmas da manhã e os professores se comprometiam em marcar suas presenças nos livros de chamada da tarde.  Esse arranjo poderia exonerar os participantes de seus cargos concursados. Era um ato de coragem.

Mudei de cidade antes do fim daquele ano. Queria ter convivido mais com eles. Era o mais alto nível de elegância e diplomacia. A influência da convivência com o Lincoln foi tanta que eu pedi um rádio toca-fitas no aniversário daquele ano.   

Escrevi esse texto durante a Oficina de Escrita Criativa – Escutar o infantil, escrever a infância da Taís Bravo.

É baseado em experiências pessoas e lembranças.

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